Translate

quarta-feira, 23 de maio de 2012


Já não era a primeira vez, nem a segunda, muito menos a terceira. Sempre se sentia assim quando algo corria mal. Aflito, constrangido e preocupado, mas que por medo não revelava nada. Esperava que tudo passasse milagrosamente ou se concertasse sem qualquer necessidade de receio. Contudo, havia sempre aquela odiada altura em que teria de abrir a boca e confessar, muito embora algumas vezes nem culpa tivesse. Enfim, uma tortura que o atormentava, na realidade a sua vida resumia-se a um Cabo africano, e tudo isso por três razões: tinha medo, era diferente e não tinha posses. Bastava que a última fosse ao contrário para que tudo o resto fosse melhor, pois poderia ser independente. Com a primeira já seria suficiente para alguns constrangimentos e poucas aflições. Porém, no meio não estava a virtude, pois ainda que fosse normal (segundo o que a sociedade designa como tal), isso não seria solução para os seus issues.
Não era crente, não era politizado, muito menos comprometido. Perto das pessoas certas era divertido, sincero e adorado; exactamente o contrário quando perto das pessoas com quem partilhava a sua vida. Um autentico inferno.
Opressão, insultos e um terrível ambiente de mau estar permanente faziam dele, de certa forma, a pessoa que era. Um indivíduo revoltado, com ideias incompreendidas embora astutas, resumindo: fora do padrão social. Decidido e totalmente único. A culpa nem derivava dele, segundo os livros de psicologia que lera nas aulas do 12º ano, ele era somente o reflexo do entorno em que vivia e da educação que tivera. É natural, eu concordo conhecendo a sua história. O que queria ele da vida?
Tranquilidade, independência e ocupação. Podia ser péssimo em certas coisas, mau noutras e razoáveis em escassas, mas havia algo em que ele era realmente bom, excelente, e era na arte. A desenhar era um autentico mestre, foi ele quem me ensinou tudo o que sei a respeito disso. Só lhe tenho a agradecer.
                O seu futuro estava comprometido com o seu entorno, capado, limitado e decidido por outros. Com a sua queda artística não iria sobreviver e, depois de mais uma noite de discussão familiar, ele tomou uma decisão. Uma big one. Daquelas que mudam radicalmente a vida de uma pessoa. Durante a madrugada, com uma mala feita e bem apertada, esgueirou-se pela janela do seu quarto, bem silencioso como um rato, tão nervoso como receoso. Ser apanhado era uma máxima a evitar, caso contrário seria morto… provavelmente. Sorrindo níveamente, correu com a mala nos braços de mansinho até se afastar o suficiente da casa para empreender um ritmo acelerado. Tudo aquilo era errado, confuso e espantosamente sonhador. Mas para ele era o caminho para a liberdade, a verdadeira glória que o esperava pacientemente. Este novo mundo que estava prestes a emergir era-lhe medonho, mas a sua vontade titã de vencer, por uma vez, em parte embriagado pela subida repentina de adrenalina, era o seu combustível. Com o bilhete de autocarro na mão, aguardou o transporte sob um dos focos acessos da estação deserta. As sombras lutavam entre si para crescerem à luz pálida.
                O rosto do rapaz, oculto pela penumbra do capuz da sua camisola, era enigmática, nada transparecia. Pensativo, ou talvez apenas sóbrio, permanecia imóvel. Provavelmente, na manhã próxima, dariam por sua falta, e com ausência de nota ou carta explicativa, naturalmente pensariam tratar-se de um passeio matinal. Ele assim preferia. Fazê-los meditar nos seus actos, nas atitudes que tiveram para com ele, as palavras e a falta do mais importante numa família. Confiava em conseguir levar o seu plano a cabo até à fronteira, daí traçaria o seu rumo e, desse mesmo ponto geográfico, já não haveria regresso possível. Tinha sonhos, vontades e curiosidade, algum dinheiro e idade para tal. E disso se tratava, explorar um mundo inteiro, um planeta repleto de coisas certamente maravilhosas, seguramente apaixonantes, pessoas embriagantes das quais aprender e nunca fartar, entender a essência das culturas, um tão vasto campo de possibilidades que até eu perco facilmente a conta.
                O autocarro surgiu de súbito, trazendo a consciência e total atenção do rapaz de volta à realidade. Num brusco solavanco, parou e as portas abriram.
Ainda naquele impasse, deixar o passado atrás e caminhar frente a um futuro claro e desconhecido, ou deixar o passado ser e decidir o futuro incerto, as pessoas que desciam não reparavam no espectro de alma e, agitadas, resolviam their lives. Num curto espaço de tempo, o autocarro esvaziou por completo. Aparentemente, e até ao momento, ele era o único que iria subir àquele veículo pesado. O frio apertava o desconforto aumentava e quando um novo motorista assumiu o volante, todas as condicionantes o obrigaram a decidir-se em fracções de segundo. Escolhendo o último banco, confortável e quentinho, admirou um corredor interminável de lugares despovoados. Como explicar?
Estava eu a acabar de atravessar a entrada quando as portas automáticas se iam fechando. Por um pêlo!
Curioso e desconfiado, sentei-me num dos bancos do meio. Não era difícil notar no único passageiro do fundo. Sentei-me e a viajem iniciou. Para nossa sorte o interior era reconfortante. Contudo, o rapaz do fundo intrigava-me. Tinha o capuz posto e luzia um olhar louco de ausência. Faltava-me a coragem para o interpelar, por isso, cada pergunta, cada possível diálogo era imediatamente esquecido.
Para minha grande surpresa, o misterioso rapaz veio ter comigo. Não dei por ele, talvez tenha adormecido uns minutos, ou talvez…
Perguntou-me para onde eu ia: algures do outro lado.
E, empatia ou não, conectámos. Falámos horas, partilhámos pensamentos, ideologias e experiências. A sua vida para um aspirante produtor de cinema teria boa receptividade. Modos de vida distintos, conceitos simples como liberdade negados, um conjunto deveras interessante de admirar. A fronteira estava ao alcance do nada, iríamos sair na paragem seguinte e, ambos empreenderíamos uma grande adventure cheia disso mesmo. Confirmo, é algo de que não me irei arrepender jamais e que, mais tarde, terei muito gosto em contar detalhadamente.
                Decidi acompanhá-lo. Que tinha a perder? Antes pelo contrário! A manhã já alta e soleada, trazia consigo essa sensação que o rapaz procurava e parecia não ter suficiente. Eu contemplava-o, deste ponto, a perspectiva, a luz e a pose eram perfeitas para a polaróide actuar. Acho que nunca tinha conhecido alguém com asas tão grandes, com tanta sede daquilo. O seu riso contagiava-me e eu ria sem saber. O seu cabelo desalinhado e curto, agora a descoberto, açoitado pela brisa morna, transmitia uma sensação de suavidade imensa. Os olhos claros avelãs, absorviam tudo quanto viam. Sinto-me lisonjeado e lucky por estar com alguém tão cheio de vida, agora liberta por fim. Não tardou a que nos hospedássemos numa pensão e, a meias era o ideal. As semanas seguintes foram estupendas. Percorremos o país, até passar três ou quatro fronteiras, e nada detinha a vontade do rapaz sedento. Barcelona, Londres, Paris, eram só alguns lugares por onde pisámos. Todo e qualquer tempo que estivera com ele, nada me tinha dado uma pista sequer do seu segredo, o porquê de ser diferente. O seu ritmo era frenético!
Sem notícias de casa, obvias razões, o seu talento estendia-se pela Europa fora. Perdi-o em Itália. Creio que, apesar de best friends, tivemos de tomar rumos diferentes, presumo. Ele seguia o mundo e o mundo parecia sorrir-lhe. Sempre, de alguma forma que me escapa, conseguia sobreviver passasse por onde o vento o levasse. Deveras admirável. Ia vendendo o seu talento e vivendo a sua vidinha. Por fim, algo do qual pudesse orgulhar-se e pudesse afirmar que foi ele. Não obrigado. E não falo do gosto! Creio que, por mais tentadora que toda essa idílica viagem aparentasse e fosse, eu não seria capaz. É necessário ter duas doses de ingenuidade e uma de coragem. Ou talvez sorte, ou talvez sorte derivada disso… não sei.
Ao que parece, os artistas autênticos têm o destino traçado, algo que, sem excepção, é comum entre todos.
                Uns anos mais tarde, recebi uma inesperada carta. Adornada com vários selos, desejei não a ter aberto. Aquele pedaço de papel impresso à mão, dobrado, desgarrava-me o coração. Era dele. Nela, escrita lia qual fora a sua diferença, a que nunca soube. Embora a vida lhe fosse dando asas, e tivesse feito o que quis sem ninguém a comandá-lo, criticá-lo ou apavorar, não tinha um dos ingredientes mais importantes de uma vida humana. Uma vida daquelas, tão invejada por mim…
Sinto lástima de mim por não ter reparado o quanto ele me amava. Agora que não havia remédio, qualquer volta atrás, pois no PS outro alguém escrevera que o meu rapaz tinha jump down de uma ponte de Roma. Grécia…
                Consigo adivinhar os motivos, o sofrimento, tudo até ao arrepio gelado percorrendo a minha espinha. Agora, não podendo evitar, culpo-me pela cegueira de outrora. A sua fotografia tirada da antiga polaróide, foi-me ter às mãos trémulas, depois de remexer um caixote de título “viagem inesquecível”. A saudade invade-me, a culpa cresce e a tristeza se alimenta da ausência do rapaz. Actualmente, olho para o mundo de forma diferente, sei desenhar e tudo isso o devo a ele. Por isso, cada vez que miro o azul céu, choro. Noah, o rapaz sonhador…

terça-feira, 15 de maio de 2012

O céu está negro como os confins da minha alma, troveja como nunca e chove torrencialmente. Tudo no meu quarto está abandonado e sem vida, sombrio e húmido como o cenário assombrado de um teatro. Estou perdido na completa escuridão do meu aposento e estou apavorado.
Até que tu apareces, no meu pensamento, para salvares-me de mim mesmo como sempre fazes quando estamos os dois. Os teus olhos inundados de vida, matam-me a saudade que sinto da tua presença. O teu desalinhado cabelo leva-me para um mar de suavidade imenso. Sou capaz de sentir o teu toque quente, pele com pele sugas-me a energia, e o teu doce aroma obrigam-me a perder o medo e a noção de tempo e espaço por completo.
Só contigo me sinto tranquilo e seguro, és o meu refúgio, o meu inviolável "lugar".
O negro do céu transforma-se em azul calmo, os trovões viram estrelas cadentes e, agora a chuva não é mais que uma mística música que te guia até mim.
Só tu tens a cura para o meu vício da saudade que sinto.
Só tu tens o dom de me tranquilizar.
Só tu tens o que preciso para viver.
Só tu me fazes realmente feliz.
Contigo, a vida é uma festa de ecstasy onde nada se te pode comparar. Podes não ser um deus, mas aos meus olhos sedentos de te ver, és o ser mais perfeito que existe. A cada hora que passa o meu amor por ti cresce um quilómetro. Se pudesse pedir um desejo, seria o de ter-te aqui comigo e agora. Mas não estás... e desejo desesperadamente que o estejas. Estou a afundar-me em desespero, a esperança começa a desvanecer e o meu medo aumenta. O meu tempo esgota-se, as minhas forças enfraquecem e os sentidos entorpecem-se. Só na tua boca encontro o doce veneno que me é vital. Estou incondicional e irreversivelmente apaixonado por ti.
Viciado em ti...